Como a comida africana dos "pobres" se tornaram nas mais caras "super comidas Europeus"

Como a comida africana dos "pobres" se tornaram nas mais caras "super comidas Europeus".

Como a comida africana dos "pobres" se tornaram nas mais caras "super comidas Europeus"



A Política Africana da Alimentação: Resistência, Memória e Soberania


1. A Colonização do Paladar

O colono europeu não quis apenas dominar a terra — quis reeducar o apetite.
Ele compreendia que a comida nativa era mais do que nutrição: era identidade, espiritualidade e autonomia.
O africano que plantava e comia o que sua terra lhe dava não dependia do império.
Por isso, o colono buscou substituir o sabor da liberdade pelo gosto da submissão.

Alimentos ancestrais como o inhame africano (Dioscorea rotundata), o milheto, o sorgo e o fonio foram depreciados como “comida de escravo”, “de pobre”, “primitiva”.
Em seu lugar vieram cultivos coloniais, os alimentos que hoje consumimos — milho híbrido, batata-reno, trigo e arroz asiático — plantas que exigiam sementes controladas, fertilizantes e dependência de mercados externos.

Era uma política disfarçada de progresso, mas seu propósito era simples: controle.
Quem controla a semente, controla o solo; quem controla o solo, controla o povo.


2. A Substituição das Raízes

Cada substituição foi um ato político. O inhame, alimento de alta densidade nutricional e autonomia agrícola, foi trocado pela batata-reno, que não resiste sem insumos coloniais.

O milho doce nativo, alimento cerimonial e de comunhão, foi trocado pelo “maize” industrial, destinado a ração animal e combustível.

O milheto e o sorgo, cereais que sustentaram impérios milenares, foram apagados em nome da “modernização”, e junto com eles, as mulheres guardiãs das sementes perderam seu poder ancestral.

Os alimentos nativos africanos possuíam altíssimo teor de nutrientes.
E a prova está no retorno irônico desses mesmos alimentos, agora rebatizados de “super alimentos” e empacotados por corporações estrangeiras.
Não eram calorias vazias, nem causadores das enfermidades que hoje assolam o corpo africano — diabetes, hipertensão, obesidade.
Eram alimentos para o corpo e para a alma, sempre disponíveis, sustentáveis e curativos.

Para o colono, isso era um problema: um povo bem nutrido e independente não se deixa governar facilmente.
A solução veio através da política das patentes: prender a vida nas leis do mercado, transformar sementes e saberes em propriedade privada.
Sempre foi controle.


3. A Destruição do Cuidado e da Cura

Os ancestrais africanos curavam-se com folhas, raízes e cascas, guiados por saberes milenares.
O colono chamou isso de feitiçaria.
Mas hoje, as mesmas plantas, quando processadas por laboratórios ocidentais, são chamadas de “ciência” e “medicina”.
O que antes era demonizado como superstição, hoje é patenteado e vendido em frascos.

O colono não apenas tirou a semente da terra — tirou a autoridade do africano sobre o saber da vida.


4. A Espiritualidade da Terra

Para o africano, a relação com a terra é espiritual e relacional.
A terra não é recurso, é parente.
Trabalhá-la é dialogar com o sagrado.
Cada semente carrega um ancestral, e cada colheita é um ato de comunhão.

A agricultura era baseada na reciprocidade e não na extração.
Plantava-se em consórcio, deixava-se a terra descansar, devolviam-se restos orgânicos, cantava-se e agradecia-se.
Tudo obedecia a um princípio: a terra dá na medida em que é respeitada.

Hoje, o mesmo colono que destruiu esse vínculo espiritual repete nossas práticas sob outro nome.
Chama de “ecologia”, de “agricultura regenerativa”, de “sustentabilidade”.
Mas o faz sem alma — sem o reconhecimento da sacralidade que os africanos sempre souberam existir.


5. A Cozinha como Resistência

Mesmo sob domínio, o povo resistiu.
Resistiu com o pilão, o fogo e o sabor.
Continuou cozinhando em segredo, nos quintais, nas aldeias, nas celebrações escondidas.
O fufu, o ugali, o tô, o injera, o garri — não são apenas receitas, são atos de insurgência.

Cada refeição era uma prece silenciosa:


“Eu me alimento da minha terra, não da tua ordem.”


A comida manteve viva a memória do que o colonizador tentou apagar com a escola, a igreja e o mercado.
No pilão, o africano bateu não só o inhame — bateu o esquecimento.


6. A Recolonização do Prato

Hoje, a ironia é amarga.
Os mesmos alimentos desprezados como “comida de pobre” retornam às prateleiras de luxo em Paris, Londres e Nova York: teff, fonio, moringa, amaranto, óleo de palma vermelho.
Agora, vendidos sob o selo de “orgânico”, “natural”, “superfood”.

O africano que antes era proibido de comê-los agora os compra a preços exorbitantes —
como se precisasse pagar ao colono o direito de comer o que sempre foi seu.
É a recolonização do prato, a mesma lógica de controle, agora travestida de mercado e modernidade.


7. Memória, Soberania e Futuro

Recuperar os alimentos nativos não é nostalgia.
É reconstrução de soberania, é cura coletiva.
Cada vez que o africano planta milheto, colhe sorgo, cozinha fonio ou amassa inhame, ele reata o elo com seus ancestrais.
Ele declara:


“A vida cresce daqui, não de fora.”


A comida africana é mais que nutrição.
É memória, identidade e resistência espiritual.
É ciência que não se dissocia da alma, é medicina que não nega a floresta.
E enquanto houver quem plante com respeito e coma com gratidão, a África seguirá viva — inteira, resistente, sagrada.

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